quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Oásis

Canela e cigarro – minha boca ainda procura por esse gosto. E acha. Só não acha tua boca – lembra como era nosso beijo? Eu lembro. Da tua boca, tão vermelha, tão macia. Da tua língua, me invadindo, me devastando. Dos teus dentes, mordendo meus lábios e os teus lábios que depois sorriam e formavam o meu mantra favorito: eu te amo. E o som daquele mantra me transportava pra um universo paralelo, uma terra de amor. Uma terra onde o amor era lei e você reinava. E, como na canção, eu te pedia: ne me quitte pas ne me quitte pas ne me quitte pas. Porque eu, tão cristal, como você dizia, não agüentaria o maremoto da tua perda. Então minha boca procura teu gosto, meu nariz procura teu cheiro, meu corpo procura teu toque. E eu abro a porta do apartamento, tentando te encontrar.

A escuridão me abraça, não você. Ligo a luz, na vã tentativa que alguns efeitos físicos (químicos também?) te tragam aqui. Não. Os móveis me olham, absortos em sua natureza morta. Quase consigo escutar Nina Simone cantando. Old man sorrow’s come to keep me company. Sento no sofá e choro pela primeira vez. Uma fortaleza ruindo, diriam alguns. Um menino, diria você. E eu, o que digo?

Digo que a vida ao seu lado parecia ser simples – e eu gostava dessa simplicidade. Porque a maior aventura da minha vida foi te conhecer. Quando descobri que podia amar e ser amado foi mais que euforia – epifania. E como tal, breve. Mas algo ficou – um suspiro, talvez. Só sei que ao olhar pra estante e ver a sua foto, me sinto quente. Melhor: me sinto acolhido. Não: ainda me sinto amado. Mesmo com os óculos na ponta do nariz e cara inchada de tanto chorar. Seus olhos, atrás do vidro do porta-retrato, me resgatam de minha própria miséria.

Lembra que eu costumava dizer que você era a minha espécie de Capitu? Não com olhos de ressaca: seus olhos lembravam o mar mais azul e calmo. Aquele mar que eu, sem saber nadar, me jogava e nada acontecia, já que não era qualquer mar. Você é o meu oceano. Quando soube de sua morte, tive a sensação de que todo esse mar tivesse sido aterrado. Encontrei-me num deserto – o deserto mais árido e quente. E ao ver a tua foto, começo a achar que encontrei um oásis.

Levanto-me. Tenho vontade de dançar. Gal começa a cantar “Dindi”. A minha vida inteira, esperei, esperei. Por você, meu bem. Que é a coisa mais linda que existe. Ok, chega de saudade. A verdade é que há tristeza, sim, mas eu sinto que ao mesmo tempo em que uma parte minha morreu contigo, uma parte sua vive em mim.

Chega de dançar.

O sol dá os seus primeiros sinais. Pego sua foto e saio do apartamento. Caminho em direção à praia e percebo o quanto Copacabana é bonita. Tão bonita quanto o mar. Tiro, pouco a pouco, cada peça de roupa e entro no mar. Peço licença a Iemanjá, como você sempre fazia. E, acredite em mim, uma sereia cantou. No mar, no meu coração.

Jogo sua foto nas águas. Com amor, com carinho. Porque é audácia demais tentar prender um oceano. Sei que as águas se encontram e essa foto chegará a você um dia. E quando chegar, entenderá que o nosso amor não foi em vão. Que me salvou do melhor jeito que alguém podia ser salvo. Continuo triste? Obviamente. Porém, tenho certeza de que uma parte de você permanece em mim. Então compreendo que não está de todo morto. Sei que posso me sentir no pior deserto às vezes, mas é só me lembrar de seus olhos – é aí que eu encontro um oásis.