terça-feira, 28 de dezembro de 2010

i could really use a wish right now

é, acabou. uma vida. e agora, digitando, sem a preocupação em escrever primeiro no papel pra depois passar para o computador, desrespeitando assim uma tradição (ou mania, não sei bem), a vida parece rodar em outro sentido. porque roda. mas isso não é ruim: é novo. e a novidade me preocupa, já que agora eu não sei o que fazer. é um medo gostoso de se ter. e depois de toda essa vida vivida, eu desejo a mim e a todos que passaram por ela uma coisa: mais vida, mais luz. mais amor. e que daqui pra frente seja doce.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Gira sol

Antes da primavera dar o último suspiro, o verão entra pelas janelas numa invasão quase obscena. Percebe-se um contraste: as pessoas que circulam pelas ruas morrem de calor, enquanto as plantas aproveitam-no cada vez mais, nascendo e renascendo tão rápido que mal percebia-se que houvera uma morte no meio. Meio sem nexo, meio sincopado, eu sei. Mas o tempo me deixa assim, um tanto quanto viajante, um certo quê de Alice, mas não sigo um coelho apressado: sigo um sol majestoso, que se arrasta sobre a minha pele e meus dias.
E nesta última semana de uma vida, os dias parecem mais mágicos, a pulsação do sol atinge um clímax para esse fim, que está quase atravessando a porta e avisando que chegou. A Floresta da Tijuca, a bênção que rodeia o meu bairro, mostra-se mais imponente e mais colorida, já que a memória deve guardar tudo nesses dias. E nesse mútuo entendimento, os fatos tornam-se mais marcantes e a minha mente mais receptiva.
É clichê, mas uma das maiores ilusões é não pensar que as coisas são finitas. Doce ilusão. Na arrogante certeza que podemos desfrutar de tudo na hora certa, deixamos o "tarde demais" invadir-nos, vindo à tona uma das piores perdas: a perda do que poderia ser seu. O ser humano mais sábio é aquele que reconhece a ignorância frente à efemeridade do tempo. Coloca-se, então, a memória para trabalhar e procura-se viver a vida sem desperdiçar uma gota de amor, derramando-o por completo.
Porque não tem outra solução, baby: se não há amor, há apenas uma existência. O amor tem dessas filhas-da-putice de trazer todo o tempero da vida junto dele. Ele nos pega e nos faz rodopiar em chamas, como um sol ou como outra coisa bonita, talvez um girassol ou o que bem entender. Não importa. No final, tudo se resume a você, bola de fogo rodopiante, ou parado, apenas assistindo os outros.
Talvez por encontrar-me numa epifania digna de Caio F. e Clarice eu escrevo isso. Eu sei que o fim de um ciclo implica no começo de outro, já que ciclo é ciclo, uma das poucas coisas infinitas. E a minha mão ambígua levanta-se, num sinal que pode ser um "até logo" ou um "adeus". Tristeza? Inevitável. Saudade? Inevitável. Felicidade? Irrevogável. Porque dessa fruta eu só tirei amor. Dou graças a Zambi por, apesar dos apesares, estar terminando, já que a força que tenho hoje vem de uma longa estrada de amor.
Se me perguntassem agora como me sinto, responderia que me sinto como um sol.

A flor que deixei

Hoje o dia pareceu um ano. As coisas aconteceram rápido demais, milhões de fatos explodiram, um atrás do outro. Hoje o orgulho foi inevitável: eu sobrevivi a essa sucessão de bombas de Hiroshima. Sobrevivi a mim mesmo e sobrevivi ao amor. Ao amor protetor que te prende no casulo, que coloca comida em sua boca, que tem medo do seu voo. Por que temer o voo? Por medo. Simples assim. Medo temperado com uma pitada de egoísmo - mas é amor verdadeiro. Porém, de nada adianta: eu sou livre para voar e a liberdade é meu direito incontestável.
E sair da resignação não ia demorar muito. Há tempo demais eu me encontrava no emaranhado, perdido no labirinto do Minotauro. Desesperado, sem nenhum barbante para voltar e contemplar o céu azul, a praia. Tomei um banho fétido de conformismo e sentei. Esperei. Pareceram minutos, mas foram séculos. E eu vi.
De primeiro, não tive medo. Passivo estava, passivo fiquei. Os olhos vermelhos, a respiração ofegante. De segundo, senti medo: eu não queria aquilo, eu rejeitava. Uma onda de desespero me banhou, mas a voz não saía - o grito era interno. Rasgava-me por dentro, maldita hemorragia interna. Um clique, enfim, me tirou dessa. Olhei no fundo dos olhos avermelhados e vi que não era o Minotauro que estava à minha frente. Era A Pior Parte de Mim.
Quem sente medo de si mesmo não vive: existe. E a fome era de vida, a fome sempre será de vida, vampiro que sou. E o meu desejo maior é meu direito maior - ninguém pode tirá-lo de mim. Ri, então, na cara do idiota que estava à frente. Dei-lhe as costas e fui embora.
Não vi céu azul ou praia. Vi o concreto do centro da cidade, a Avenida Presidente Vargas me revelando que flores podem nascer do asfalto, que Drummond estava certo. E a minha flor nascera, plantada pelo sorriso da criança no ônibus vizinho e pela visão da mulher vestida de palhaço andando na Central.
Eu sei que irá demorar até eu regar a minha flor. Eu sei. Mas ela não morrerá pela demora. Ao menos murchará. Porque nunca será esquecida. Porque é minha. Porque se alimentará do meu amor. E ela sabe disso. Eu sei disso.
Ela viverá.
E eu também.

(escrito no dia 25/11/2010)