sábado, 28 de março de 2020

"Hace frío sin ti, pero se vive"

Meu amor,

Quando tudo isso acabar, as nuvens estarão tão cheias de chuva que acharemos, por um instante, que somos abençoados. Não há tanta felicidade assim pelas ruas vazias, mas lembrar de teus olhos me faz pensar que, talvez, um momento guardado na memória pode ser um ligeiro carinho em minhas costas doloridas pelo cansaço e pela dor de tentar sustentar o peso do que sou.

Não, elas doem por sustentar o peso do que és.

Não, elas doem. E só.

Não doem mais do que um câncer, uma metástase, uma profunda melancolia que isola e atrofia, mas, ainda assim, doem. Não é isso que quero dizer, veja bem, mas elas doem e essa dor me faz pensar que os dias seriam mais leves por complacência divina, ou por costume a dor, ou por lembrar de teu sorriso.

Tanta coisa a dizer e jogo fora uma oportunidade por uma dor nas costas, perdão.

Vou recomeçar, meu amor - merecemos mais que isso, um pobre fluxo de consciência que ocupa mais espaço do que deveria. Não queria ser cruel, mas talvez a minha crueldade seja só uma forma de te trazer mais perto, um jogo sujo, porque sentir teu tapa é melhor que sentir nada, porém não aguento mais te dissimular.

Meu amor, quando tudo isso acabar, andarei em círculos procurando o teu sorriso, encherei as ruas com a esperança de dias futuros travestidos em paz, amor e harmonia - parece até um carnaval idealizado, um daqueles blocos do centro da cidade, lembra? Faltou a purpurina, mas teu brilho cativa mais que qualquer artifício e disputa com o sol - perdão, prometi não ser mais dissimulado.

Mas é verdade, andarei pelas ruas procurando a felicidade e disfarçando a inconsequência, buscando a aparência de teu rosto marcado pelo meu desejo. Pode ser um mundo mais feliz, e, de repente, não serei mais insone e os sonhos serão tranquilos, a infância será rememorada e o país se transformará naquilo que sonhamos quando a maldade era apenas uma semente e uma doença nada significava, e essa carta eram ações, e meu olhar era bondoso, e minhas palavra ainda valia de algo, e eu ainda conseguia dizer: eu te amo.

Sinto sua falta.

Faz frio sem você, mas se vive.