segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Noturno n° 1

 Aqui, sentado, olhando essas paredes brancas, opressoras de tão claras, ao meu redor e vendo a tv sem o menor interesse, me dou conta: queria você no meu copo, queria te beber, te engolir, sentir você queimando a minha garganta, mas não: é só jack daniel's. Então desce mais um, a noite é uma criança, vamo tentar sentir algum tipo de felicidade, algum tipo de dor, algum tipo de alguma coisa que preencha essa vazio - nem que seja por um momento.
Pegar o elevador. Descer. Andar
              na noite escura - do meu eu ou da tijuca?! não sei, parecem tão iguais, confundo as duas. Beber mais um pouco, hoje eu vou tomar um porre, não me socorre, eu tô feliz. Pelo menos, agora. Andar mais um pouco, rir mais um pouco, fumar mais um pouco - quem sabe não entra mais algum tipo de felicidade, ainda que quase instantânea, com a fumaça em minha boca, garganta e pulmões. Rir, andar, rir de novo - pelo menos o uísque me entorpeceu, o cigarro me dá uma aparência frágil de linda (ou linda de frágil) e aquele cheiro, tão ocre quanto um cheiro pode ser, me deixa um pouco, sei lá, relaxado e tal. E quando me deito, olho pro ventilador, pra luz, tudo roda. Penso por que damos voltas e voltas e voltamos sempre ao mesmo ponto, a mesma pessoa que sempre fomos antes de tudo aquilo: da decepção, do câncer, da explosão de torres gêmeas na puta-que-pariu. Olho pra gata e sinto pena de sua natureza aprisionada a ser sempre um gato; mas talvez eu devesse ter pena da minha natureza aprisionada por ser sempre eu, vai saber. Dizem que a gente se difere deles, os bichos, por isso: pensamos, temos o poder de refletir antes de seguir com nossos instintos. Não pensamos. Não refletimos antes de seguir os nossos instintos. Não é que eu seja uma pessoa má, mas se eu tivesse a chance de esmagar você na parede com um carro, eu faria. Nada pessoal.
 "É", digo pra você, que não sei se existe ou não, "as voltas que damos em nós mesmos para estacionar no mesmo lugar. A gente pode ter cinquenta, sessenta, um filho pra criar, família pra sustentar, amigos pra beber, deprê pra curtir e alguns autores, sentados no alto de seu pedestal de grandes escritores, pra afirmar que a vida é uma merda, então vamos ser pálidos, tomar absinto, fumar ópio, comer algumas putas, nos vestir como Lord Byron. Um cu tudo isso. Se tem alguma coisa pior que um junkie é alguém posando de junkie. É foda, cara. Às vezes bebemos e tacamos fogo em tudo pra esquecer de nossas merdas e outras vezes fazemos tudo isso para lidar com elas. É clichê, mas a vida é feita de momentos - algumas vezes você tá galã, outras tá vilão, outras tá Madonna, outras quer morrer. Mas sei lá, fico pensando... são momentos. Não é tão idiota quanto parece você curtir sua fossa, sua dor, é pior mascará-la. Ela existe, respeita, curte, dá vazão, abre uma porta pra ela entrar e ela sair. Despiroca mesmo e não esquece que um momento não te define: às vezes a gente é maior do que imagina. Parece hipócrita, clichê, papo de auto-ajuda, mas o pior é que é verdade. Sei lá o porquê falo isso, talvez fosse melhor cantar, talvez eu devesse cantar."