Eu poderia fazer um defumador com essa alfazema e limpar essa cidade. Tirar toda negatividade, ser São Francisco e me erguer numa inocente espiritualidade. Mas os muros me impedem, as vitrines me enfraquecem e as paredes permanecem me aprisionando. Todo dilema de um homem pós-moderno é ser eterno em sua agonia. Não há alfazema nessa cidade, então procuro por sua companhia.
Ando por aquele beco de bares tão comum a nós e à memória de nossos risos. Quase vejo sua silhueta naquele vestido vermelho que contrastava tão bem com sua pele morena: você é mais que um quadro, é uma pintura. Eu lembro de cada detalhe: uma bolsa grande demais, seus olhos amendoados, o jeito despretensioso de fumar. Duas unhas amareladas pela nicotina, aquela tatuagem ridícula em seu ombro. Mas o que eu sempre amei foi o cheiro de flores que suas roupas tinham de manhã.
Não era um cheiro de alfazema, mas era um cheiro também suave. Era engraçado aquela suavidade estar na sua pele, logo você, que nunca foi suave. Claro que ela sumia depois com o cheiro dos cigarros e do suor, mas ver você de manhã sempre foi uma das minhas imagens preferidas.
Nunca essa cidade seria nossa, ainda que eu passasse mil defumadores de alfazema nela - eu, que durante um tempo tive fé suficiente para nós dois. Por isso a gente mergulhava em um sonho que tudo seria possível, porque éramos possíveis. A gente era o jardim que faltava a essa cidade. A gente era a obra árcade que deu certo.
"'Mas se der certo, não é a gente", você sempre repetiu. E esteve certa. Ainda está, talvez. Daí só consigo escrever essa elegia para duas pessoas que, vivas, se tornaram mecânicas. A cidade que vivemos está perdida. A cidade que criamos está bombardeada. A nossa risada agora é sofrida. As nossas palavras estão abafadas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário